Pietro álamo

Apelo e Aperreio

Raia o dia, estou farto.
A noite perdura ainda em minha pele,
As impurezas tragadas no percalço,
E o sono, evidente, faz greve. Estou farto:
Andei brincando de pirralho.
 
Durmo. O sol, a pino.
Ou, melhor dizendo, me reviro.
Uma, duas, três, infindas vezes.
Ainda sinto na boca a boca dos meninos;
Um, dois, três, beijos de enfeite:
Andei brincando de carente.
 
Tarda o dia, estou exausto.
Nem repouso, nem vontade, resta enfado;
À tarde, arrastado mormaço,
Escrevo, falho; penso, embaralho;
De enfaro um hausto quando vem o ocaso:
Andei brincando de folgado.
 
Raia a noite  e ela raia!
Dá-me aventura que me distraia!
Um convite, um copo, três beijos e um maço—
Estou farto!
Já vou brincando de pirralho.
 
Vê-me um chá, um bom livro e um namorado,
Uma erva-mate, uns bons amigos e um baralho:
Eu já estou farto de brincar de ser pirralho.
 
Farto de brincar de carente, inconsequente,
Farto de brincar de adolescente, de viver de ânsia fremente.
Farto desta fase plena de vacância,
Que não chama adolescência, nem infância:
Esta fase só de ânsia chama Instância.
 
Ela insta por sentir, chorar, sorrir
Insta explorar e insta fugir
Insta procura, insta fervura,
Insta preencher-se, insta morrer-se
Do quê, não sabe. Insta instabilidade
Insta brincar de sorte,
Não saber onde é o norte,
Insta ser amada e não amar:
Não insta, enfim, senão por mais instar.
 
E nesta sanha infinda que não vem nem vai aonde
E procura e busca e cava e escarva, embora seca a fonte,
Enervo-me enquanto não se aflora a própria palma,
Enquanto seu bramido inda ensurdece a aflita alma:
Eu já há muito me fartei de me fartar.
 
Fartei-me de brincar de vida louca,
Suspirar beijo na boca,
De brincar de insânia insossa,
Entornar ânforas ocas,
De embuçar-me de imprudente,
Duma febre intermitente:
Eu quero brincar de ser gente.
 
Fartei-me de experiências erradas que se leva para a vida;
Eu busco experiências certas que se leve no peito.
 
Reunir família e amigos em dia esteio
Praguejar o gato alheio que me estraga as flores
Lamentar o joão-de-barro que perdeu os moradores.
Busco a aurora, não a noite, troco o estro por primores!
 
Eu quero falar de poesia!,
Arte e sentimento com quem me desperte o desejo
De entrelaçar não corpo, mas o sono. Quero falar de putaria
E transar com conteúdo! Fruir cachaça e bom charuto
Com quem congele a infinidade em minha palma
E a eternidade em um segundo.
 
Quero brincar de aguar as plantas, enfeitar a casa,
Ordenar zelados livros em sua estante.
Eu quero brincar de amor prestante;
Quero brincar de gente grande.

02.17

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